O Dia do Saci, oficializado por lei federal em 2013, é comemorado no Brasil em 31 de outubro. Seu propósito é valorizar o folclore nacional, num contraponto ao Halloween, originário dos britânicos, que transcorre na mesma data, tem forte tradição na América do Norte, mas ganhou grande popularidade em nosso país nos últimos anos, inclusive em festas e eventos em escolas. Essa questão levou-me a refletir sobre os rumos da nossa inserção internacional neste século.
Não devemos rejeitar a cultura, a tecnologia, as demandas, tendências e exigências mundiais, cada vez mais conectadas. Entretanto, é muito importante participarmos da civilização contemporânea preservando e valorizando nossos diferenciais, peculiaridades e vantagens competitivas. São exatamente os fatores que nos distinguem que consolidarão nosso protagonismo. Refiro-me à bioenergia, à solar e à eólica, de fontes renováveis e mais limpas, à exploração racional dos recursos minerais e naturais, à capacidade de cultivar alimentos e commodities agrícolas em grande volume, à produção industrial sustentável, às reservas hídricas e à biodiversidade ímpar.
São imperativas, em todos os setores, estratégias de redução das emissões de carbono, de modo simultâneo e sinérgico com o progresso tecnológico, e podemos fazer isso como poucos países, devido às dimensões de nosso território e à nossa privilegiada natureza. É nessa direção que estamos redefinindo o papel da indústria e sua competitividade, com base em novos conhecimentos, digitalização, melhor educação e superação dos desequilíbrios ambientais. Precisamos estar alinhados às tendências internacionais e atentos às oportunidades abertas para inserção mais ampla e diversificada da indústria brasileira nas cadeias globais de valor.
Somente cumpriremos essas metas se aproveitarmos bem nossos potenciais, incluindo as ricas bases de matérias-primas de que dispomos, às quais devemos agregar cada vez mais valor no chão de fábrica, em vez de exportá-las na forma primária, rompendo um fluxo centenário que apenas nos desfavoreceu e criou dependências em alguns segmentos. É por isso que temos defendido com insistência uma política industrial eficiente, capaz de recuperar a condição da atividade como motor do crescimento econômico, a partir de uma perspectiva sustentável, que promova uma economia mais resiliente às crises geopolíticas, climáticas e pandêmicas, menos intensiva em carbono e socialmente mais inclusiva.
São conceitos que temos preconizado com ênfase. Por isso, esperamos que tenha pleno êxito o programa de neoindustrialização lançado este ano, que encampa muitas das sugestões do estudo Diretrizes Prioritárias Governo Federal 2023-2026, do Ciesp e da Fiesp. Entendemos que o Brasil deva participar de modo dinâmico da globalização, colocar seu potencial para a economia verde como trunfo para reduzir barreiras alfandegárias, debater com soberania as questões da sustentabilidade e fazer valer suas vocações.
Ou seja, podemos comemorar o Halloween, como hoje ocorre em praticamente todo o mundo, mas sem relegar o Saci, a Caipora, o Curupira e outras figuras míticas exclusivas do rico folclore nacional. Muitas dessas lendas são patrimônios de nossos povos originários, o que as torna únicas, assim como numerosos diferenciais competitivos e econômicos peculiares de nosso país.
*Rafael Cervone, engenheiro e empresário, é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (CIESP) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP).