Pela primeira vez na história, a obesidade infantil superou a desnutrição como a principal forma de má nutrição no mundo. O alerta é da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), que divulgou relatório com dados de mais de 190 países. Segundo o estudo, uma em cada cinco crianças e adolescentes está acima do peso – o que representa cerca de 391 milhões de pessoas nessa faixa etária.
No Brasil, o cenário já acompanha essa tendência há duas décadas. Em 2000, 5% das crianças e adolescentes apresentavam obesidade, contra 4% de desnutrição. Em 2022, o índice triplicou, chegando a 15%, enquanto a desnutrição caiu para 3%. Além disso, o sobrepeso dobrou, atingindo 36% desse público.
A pediatra Gabriela Marcatto destaca que o problema é multifatorial, mas que a prevenção deve começar cedo. “A introdução alimentar é um momento fundamental. O aleitamento materno exclusivo até os seis meses e, depois, a oferta de alimentos in natura ou minimamente processados são passos essenciais para formar bons hábitos. Quanto mais cedo a criança tem contato com frutas, legumes e verduras, maiores as chances de levar esses hábitos para a vida adulta”, orienta.
Na rotina alimentar das crianças, é fundamental oferecer diariamente frutas variadas, legumes, verduras, feijão, arroz, batata, ovos, carnes magras e leite. “Esses alimentos são ricos em fibras, vitaminas e minerais, que contribuem para o crescimento saudável e para a prevenção da obesidade.”
Quando falamos em alimentação infantil, a médica reforça uma regra simples: é sempre melhor descascar do que desembalar. “Isso significa que frutas, legumes e verduras devem ter prioridade sobre alimentos industrializados, como bolachas recheadas, salgadinhos e ultraprocessados em geral. Além de mais nutritivos, os alimentos frescos ajudam no crescimento saudável e na prevenção de doenças a longo prazo”, orienta.
De acordo com o relatório, a substituição da alimentação tradicional por produtos ultraprocessados, que são mais baratos, é uma das principais causas do aumento da obesidade. Esses produtos concentram açúcar, sal, gorduras não saudáveis e aditivos, além de estarem fortemente presentes no marketing voltado ao público infantil.
A pediatra lembra que, mesmo quando a criança já passou da primeira infância, é possível reverter um quadro de seletividade ou rejeição a alimentos saudáveis. “O segredo é a exposição repetida. A criança precisa ter contato com o alimento diversas vezes, preparado de formas diferentes e em contextos variados. O importante é não desistir diante da recusa inicial e entender que a construção de hábitos leva tempo”, ressalta.
Outro ponto essencial na prevenção é a prática de atividade física. A Organização Mundial da Saúde recomenda que crianças a partir dos 4 anos realizem ao menos 60 minutos de atividade física moderada diariamente. “O sedentarismo é um dos grandes vilões da infância moderna. Videogames, celulares e televisão não podem ocupar todo o tempo livre das crianças. Resgatar as brincadeiras ao ar livre, incentivar esportes e participar ativamente dessas atividades são atitudes que fazem a diferença. Os pais precisam dar o exemplo”, destaca Gabriela.
O relatório do Unicef reforça ainda que, sem ações urgentes, o impacto econômico global do sobrepeso e da obesidade pode ultrapassar US$ 4 trilhões por ano até 2035, principalmente em função das doenças associadas, como diabetes, hipertensão e problemas cardiovasculares.
Para a pediatra, a mensagem é clara. “A obesidade infantil é um problema de saúde pública que deve ser enfrentado com informação, prevenção e apoio familiar. Cuidar da alimentação e do estilo de vida das crianças é investir em saúde, qualidade de vida e futuro. Pequenas escolhas no presente podem evitar grandes problemas no futuro”, conclui.