32.7 C
Catanduva
sexta-feira, outubro 10, 2025
spot_img
InícioBrasilBanco de germoplasma de mandioca do IAC faz 90 anos sob ameaça...

Banco de germoplasma de mandioca do IAC faz 90 anos sob ameaça do enfraquecimento da pesquisa, diz APqC

PLC-09/2025, do governo de São Paulo, compromete a autonomia das pesquisas e pode ser votado na próxima semana

O banco de germoplasma de mandioca do Instituto Agronômico de Campinas (IAC) completa 90 anos em 2025, mas em vez de comemoração, a comunidade científica celebra este marco com preocupação. 

O Projeto de Lei Complementar 9 de 2025 (PLC-9/2025), que pode ser votado na próxima semana, na Assembleia Legislativa do Estado, compromete a autonomia das pesquisas realizadas em 16 Institutos Públicos, incluindo o IAC, e, segundo a Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), coloca em risco todos os bancos de germoplasma construídos ao longo do último século.  

O PLC 9, de autoria do governo de São Paulo, extingue o Regime de Tempo Integral (RTI) e a Comissão Permanente do Regime de Tempo Integral (CPRTI), órgão de Estado composto por representantes eleitos pelos próprios pares, que expressam a pluralidade das áreas do conhecimento, com a função de gerir a carreira de pesquisador e avaliar trabalhos de pesquisa.  

“Se a pesquisa perder autonomia, automaticamente a credibilidade dos estudos realizados com estes bancos de germoplasma será afetada. Este projeto que ataca a carreira de pesquisador é uma ameaça real a este patrimônio premiado internacionalmente e que serve de referência para o Brasil e o mundo”, afirma Helena Dutra Lutgens, presidente da APqC.  

A crise do café no final dos anos 1920 foi contornada, entre outras medidas, com a diversificação da agricultura paulista. A pesquisadora Teresa Losada Valle, do IAC, lembra que para dar sustentação a esse projeto foi feita uma profunda reforma do IAC “equipando-o com os meios necessário para cumprir sua nova missão. Reestruturação administrativa, ampliação dos recursos humanos e materiais e criação de novos acervos de apoio a pesquisa. O resultado foi fantástico e o IAC tornou-se referência mundial em pesquisa na agricultura tropical”, afirma.  

Entre os acervos mais importantes, os bancos de germoplasma passaram a reunir acessos de diversas espécies cultivadas, incluindo o da mandioca, espécie originada no Brasil.  

“Quando os europeus chegaram era a alimentação básica das populações nativas e continua até a atualidade uma das mais importantes fontes alimentícias. Nos últimos dez anos, o Brasil produziu aproximadamente 20 milhões de toneladas por ano”, relata a pesquisadora. “O Brasil possui a maior diversidade genética de mandioca do mundo, o que ressalta a importância estratégica dos nossos bancos de germoplasma”. 

Iniciado em 1935, o primeiro registro foi a variedade SRT-1 Vassourinha Paulista. Desde então constam em seus arquivos mais de 1,6 mil registros. “Muitos desses acessos foram perdidos por não resistirem às doenças”, relata. 

A pesquisadora conta que durante e após a Segunda Guerra Mundial a variedade SRT 59 – Branca de Santa Catarina, foi o alicerce da expansão do cultivo de mandioca no Estado de São Paulo para substituir a variedade SRT-1 Vassourinha Paulista, por ser mais produtiva e mais resistente às doenças.  

“O objetivo era gerar um tipo de farinha para misturar ao trigo para produzir pão e para a exportação de amido”.  

Nos anos 1960 foi obtida por cruzamentos a variedade IAC 24-2 Mantiqueira, também resistente às doenças, considerada a mais produtiva da coleção mundial do Centro Internacional de Agricultura Tropical (CIAT), o que a levou a ser distribuída para vários países do mundo, tendo sido amplamente cultivada em Cuba. 

Apesar de ser parte da história da América Latina, apenas após a criação do banco de germoplasma os cientistas começaram a conhecer a variabilidade genética da mandioca. “Na década de 1970, o IAC já havia registrado mais de 1,2 mil acessos, a partir de trocas entre instituições de pesquisa e coletas próprias, mas apenas pouco mais de uma centena dos acessos estavam preservados”, diz a pesquisadora.  

Ainda nos anos 1970, com a mecanização do campo, populações rurais migraram para as cidades, e a mandioca ganhou novos “terrenos”, passando a ser cultivada no quintal das casas.  

“Eram pessoas que retinham o material genético e também o conhecimento sobre a origem de cada variedade, mas que iriam se perder com o tempo, uma vez que as novas gerações não se interessariam pelo cultivo no quintal”, relembra a pesquisadora.  

Para não perder este ‘patrimônio científico e popular’, na década de 1980 IAC organizou e deu início a uma coleta sistematizada de materiais genéticos de mandioca em mais de 300 cidades do interior e litoral de São Paulo.  O objetivo era coletar acessos que seriam preservados na Estação Experimental de Ubatuba.  

“Nós fizemos cinco viagens percorrendo a malha rodoviária do Estado, visitando os bairros e perguntando de casa em casa quem cultivava mandioca, perguntava sobre origem e se poderíamos coletar amostras”.  

Com este trabalho, o Instituto Agronômico identificou cerca de 600 acessos de todas as regiões brasileiras e de diferentes ecossistemas e culturas. “Apesar de ter um pequeno número de variedades comparativamente a outros, tornou-se um banco de germoplasma modelo por conter uma ampla representatividade da diversidade genética da espécie”, relembra Teresa. 

Variedade produtivas e resistes  

A pesquisa pública dedicada ao melhoramento genético levou o Instituto Agronômico de Campinas às variedades, IAC 12 (cultivada no cerrado) IAC 13, IAC 14, IAC 15 e IAC 90 voltadas à indústria (farinha e amido). Todas muito produtivas, resistentes a doenças, adaptadas ao plantio mecânico e com alto rendimento industrial. A variedade IAC 576-70, mandioca de mesa obtida a partir do cruzamento das cultivares SR-797 Ouro do Vale, com polpa amarela, e IAC 14-18 Verdinha. Segundo a pesquisadora, a cultivar se mostrava muito mais produtiva que a convencional, mais resistente à bacteriose, e ainda ter considerável teor de Beta-carotenos, que se transformam em vitamina A no corpo humano 

“Como forma de difundir esse conhecimento que nasceu da pesquisa pública, a CATI, através da rede de assistência técnica, organizou a produção de material de plantio e distribuiu pequenos feixes para pequenos agricultores da área rural. Nas cidades, distribuiu uma pequena quantidade, nas igrejas logo após as missas, a população que cultivava mandioca no quintal, o que fez com que IAC 576-70 se tornasse a variedade mais cultivada do Estado”, conta. “Esse trabalho teve profunda repercussão na segurança alimentar na população urbana periférica”. 

Ao longo dos últimos anos, muitas outras variedades foram pesquisadas e lançadas pelos pesquisadores do IAC. Além disso, linhas de pesquisa passaram a estudar adubação verde, policultivo, culturas de cobertura, plantio direto e sistemas agroflorestais, segundo artigo técnico publicado pelo IAC em junho de 2023.  

Em 2025, o Brasil deve produzir mais de 20 milhões de toneladas de mandioca, conforme estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).   

Outros bancos ameaçados  

Além do banco de germoplasma de raízes e tubérculos, o Instituto Agronômico de Campinas abriga milhares de acessos de outras culturas. O do café, instalado na Fazenda Santa Elisa, em Campinas, concentra 130 espécies descritas e o primeiro cruzamento para melhoramento genético remonta à década de 1930.   

Os pesquisadores do IAC também são os ‘guardiões’ de bancos de germoplasma de cana-de-açúcar, citros, amendoim, milho, feijão, frutas, além das espécies hortícolas, como alho, cebola, batata e a própria mandioca.  

Outras coleções  

O Instituto de Zootecnia mantém rebanhos para conservação de raças brasileiras adaptadas, e um banco de sêmen e embriões para fins de pesquisa e melhoramento genético. Já o Instituto Biológico conserva isolados de fungos fitopatogênicos, além de ceparias de bactérias e vírus de interesse agropecuário e um dos mais antigos acervos de entomologia econômica do Brasil, com milhares de exemplares.  

No campo da biodiversidade, o Instituto Florestal, mantém o herbário “Dom Bento José Pickel” com mais de 50 mil exsicatas de essências florestais herbáceas, arbustivas, e principalmente arbóreas da flora nativa paulista e uma xiloteca com mais de quatro mil espécies florestais.  

O Instituto Geológico possui uma coleção com amostras geológicas, minerais e fósseis que apoiam pesquisas sobre riscos naturais e uso do solo. Enquanto o Instituto de Botânica, abriga o herbário “Maria Eneyda Pacheco Kauffmann Fidalgo”, com cerca de 550 mil exemplares botânicos, sendo um dos maiores da América Latina, além de bancos de germoplasma de plantas ornamentais e nativas, importantes para programas de restauração ecológica.  

O Instituto de Pesca atua no melhoramento de espécies aquícolas nativas e exóticas, como tilápia. O Instituto Pasteur conserva linhagens virais e cepas de agentes infecciosos, com foco especial em raiva, para apoio a vigilância em saúde pública.   

“Os acervos e os bancos de germoplasma são patrimônios científicos de valor incalculável, porque armazenam e conservam a variabilidade genética de plantas, animais e micro-organismos, desempenhando um papel central para a segurança alimentar, além de serem tesouros para pesquisas ligadas às adaptações climáticas, tudo ameaçado por decisões de governo, como o PLC 9/2025, que podem impactar toda a sociedade”, reforça Helena Dutra Lutgens.

Marcia Bernardes
Marcia Bernardeshttps://ftnews.com.br
Jornalista, 20 anos de experiência, tendo passado por diversas redações de mídia impressa em Catanduva e São José do Rio Preto. Atuou nos principais veículos do Noroeste Paulista, incluindo o jornal Diário da Região. Jornalista de formação, designer por amor.
ARTIGOS RELACIONADOS

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

- Advertisment -spot_img

POSTS POPULARES